Polêmica à vista? Desde 1997, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação que indica que a demissão sem justa causa vai acabar. Agora, a expectativa é que o julgamento seja retomado e uma decisão, enfim, tomada sobre o assunto.
Certamente, esse é um assunto que interessa aos trabalhadores e a qualquer empregador do país. Afinal, se o parecer for positivo, ou seja, se o STF decidir que não se pode mais demitir sem motivo aparente, o cenário muda. Mas… muda como?
Vou explicar e mostrar por que não há motivo para alarde. Boa leitura!
- Como está o debate sobre acabar com a demissão sem justa causa?
- Como estão os votos para a demissão sem justa causa?
- Como funciona hoje a demissão sem justa causa?
- Quais são os impactos para a empresa se a demissão sem justa causa acabar?
Como está o debate sobre acabar com a demissão sem justa causa?
Até o momento, o debate que pode definir se a demissão sem justa causa vai acabar está suspenso. Mas espera-se que ainda no primeiro semestre deste ano, o STF apresente uma decisão sobre o assunto e indique se empregadores vão ou não precisar justificar suas demissões.
Essa é uma conversa que se arrasta já há 25 anos, desde a época do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso e, sendo assim, cabe contextualizar a situação para que você realmente se inteire sobre o assunto.
Em 1982, a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) definiu que a demissão por justa causa deveria ser a mais convencional. Ou seja, basicamente, as demissões só deveriam ocorrer caso os colaboradores cometessem faltas graves, seguindo as regras do artigo 482 da CLT.
Em 1996, FHC revogou, via decreto, a Convenção 158. O então presidente tomou essa decisão sozinho, de forma unilateral, o que provocou uma reação da Confederação Nacional dos Trabalhos na Agricultura (Contag).
Em 1997, a Contag apresentou uma ação questionadora solicitando que o decreto de FHC fosse revisto. E é isso o que nos leva, hoje, a debater se a demissão sem justa causa vai acabar ou não.
Em outubro de 2022, o debate voltou ao plenário virtual, mas o Ministro Gilmar Mendes entrou com pedido de vista, ou seja, pediu mais tempo para analisar a proposta.
A conversa voltou a ser paralisada por período indeterminado até que, em dezembro do mesmo ano, o STF decidiu que os pedidos de vista podem ter duração máxima de 90 dias contados a partir da publicação da regra.
O Tangerino preparou um material no Instagram sobre o assunto. Confira como ficou:
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Como estão os votos para a demissão sem justa causa?
Por ser uma ação de 1997, alguns ministros do STF já manifestaram seu voto, mas tudo pode mudar. Até o momento, temos oito votos baseados em três argumentações distintas. Assim, vamos a um resumo do que você precisa saber:
Contra o decreto de FHC
Joaquim Barbosa (aposentado) Rosa Weber e Ricardo Lewandowski votaram que o presidente da república não pode, por conta própria, revogar a Convenção 158 da OIT. Para tanto, precisaria consultar o Congresso, o que FHC não fez.
Se a maioria esta linha de raciocínio, a demissão sem justa causa vai acabar, ao menos até que outra regulamentação seja apresentada.
A favor do decreto de FHC
Já Dias Toffoli, Nelson Jobim (aposentado) e Teori Zavascki (falecido) votaram que o decreto de FHC é, sim, válido. Mas que, para decisões futuras, o Congresso deve ser consultado.
Se a maioria esta linha de raciocínio, as regras para a demissão sem justa causa permanecem as mesmas que já seguimos atualmente.
A favor de uma decisão pelo Congresso
Por fim, Maurício Corrêa e Ayres Britto defendem que o Congresso é que deve decidir se o decreto de FHC é ou não constitucional.
Se a maioria esta linha de raciocínio, a decisão não será definida pelos ministros, sendo preciso aguardar o processo no Congresso para descobrir qual será o parecer.
Ainda, há questões importantes que merecem destaque:
- Alguns ministros ainda não votaram. É o caso de Gilmar Mendes, Nunes Marques e André Mendonça ainda não apresentaram seus votos;
- Todos os ministros que permanecem no Supremo podem mudar seus votos;
- O voto de ministros aposentados segue válido, o que significa que seus substitutos não podem votar (é o caso de Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Luiz Fux).
Assim, a decisão está em aberto. Somente o desenrolar do debate vai decidir se a demissão sem justa causa vai acabar ou não.
Como funciona hoje a demissão sem justa causa?
Para entender o impacto de uma eventual mudança, precisamos considerar como a demissão sem justa causa funciona hoje e as regras são simples.
Atualmente, uma empresa pode demitir alguém sem qualquer obrigação de apresentar uma justificativa formal. Essa é, inclusive, a forma de demissão mais comum no país.
O empregador pode tomar essa decisão por questões financeiras ― como costuma ser o caso dos layoffs que, infelizmente, se tornaram tão comuns no ano passado ―, por questões estratégicas e por diversos outros motivos.
Em todo caso, quando uma pessoa é demitida sem justa causa, tem uma série de direitos garantidos pela CLT que visam oferecer algum tipo de amparo, e a empresa e seu DP podem optar por seguir outras boas práticas complementares. É o caso da entrevista de desligamento, ou entrevista demissional, por exemplo.
Nessa conversa, se a empresa busca ouvir e ser ouvida, pode ser que a pessoa desligada tenha a chance de descobrir o porquê do fim do seu contrato. Isso porque a proposta passa justamente por uma troca de feedbacks.
Porém, ainda que essa seja uma prática interessante e vantajosa para empresas e trabalhadores, nenhuma organização é obrigada a segui-la. E, ainda quando ocorre, nem sempre a causa real da demissão sem justa causa é apresentada de forma clara.
Quais são os impactos para a empresa se a demissão sem justa causa acabar?
Entenda que dizer que a demissão por justa causa vai acabar ― ou pode acabar, melhor dizendo ― não significa que as empresas ficarão proibidas de demitir, mas que precisarão explicar seus motivos.
Porém, a mudança tornará a demissão sem justa causa mais difícil e isso pode ter impactos como:
- engessar as relações de trabalho;
- provocar uma (nova) onda de layoffs;
- reduzir a capacidade das empresas em gerar postos de emprego;
- aumentar a contratação informal;
- demandar que a empresa comprove que não tem condições financeiras de manter um trabalhador em seus quadros (quando esta for a causa da demissão);
- levar à criação de uma nova categoria de demissão por justa causa;
- dificultar a captação de investimentos para o país.
O cenário não é animador e é provavelmente isso que causa tanto alarde. Mas, entenda que a expectativa é que uma eventual decisão pelo fim da demissão sem justa causa (nos moldes atuais) não tenha impactos imediatos.
Além disso, há motivos para acompanhar a questão com mais tranquilidade. E, para ajudar você a perceber isso, eu busquei uma opinião que agrega ao que vimos até aqui.
Palavra do especialista
O Leandro Cazeiro, gerente Jurídico do Tangerino e especialista em RH e DP, aponta o seguinte:
“Há que se ter cuidado com o alarde realizado sobre a questão. Entendo pouco provável chegarmos em um cenário em que a forma de demissão sem justa causa deixe de existir, uma vez que tal situação, dentre outros argumentos, fere o princípio constitucional da Livre Iniciativa, assim como poderá proporcionar uma onda de demissões e contratações informais”.
O que Leandro está dizendo é que a expectativa é que a demissão sem justa causa siga ocorrendo conforme é hoje, sem alterações nas regras. E a tendência é mesmo que o STF considere os impactos para o mercado de trabalho e a economia para embasar sua decisão.
“Não creio ser uma decisão fácil, mas entendo que o STF não permitirá a produção de efeitos para a atualidade, seja decidindo contra a ação ou, por haver um tecnicismo, sendo favorável, mas modulando os efeitos para que tal cenário não ocorra novamente no futuro”.
Em outras palavras, o especialista acredita que a votação definirá que a decisão tomada por Fernando Henrique lá em 1996, ainda que via decreto unilateral, deve ser considerada válida e que somente questões futuras devem ser levadas ao Congresso.
Algo bem parecido com o que argumentaram os ministros Dias Toffoli, Nelson Jobim e Teori Zavascki.
Então, o que esperar desta situação?
Por ora, nos resta mesmo aguardar. A decisão está em aberto, mas é interessante levar em conta o que Leandro Cazeiro e outros especialistas têm dito sobre o assunto.
É provável que nada mude quanto a demissão sem justa causa no país, mas vale acompanhar ― sem desespero ― a evolução do debate para se preparar para uma eventual mudança, ainda que não seja tão provável.
Em qualquer circunstância, a melhor forma que empregadores e colaboradores têm de se preparar para o que pode vir aí é a informação. Por isso, vale a leitura deste Guia dos Direitos Trabalhistas, com as principais diretrizes!
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